LinkGen

A tecnologia do
DNA

Artigo publicado no Nº 36 (Ano 9) (Set 1998) da revista Mangalarga Marchador (A Revista Oficial da ABCCMM)

Sérgio Paulo Bydlowski / Jaime Leyton

O uso da tecnologia do DNA recombinante na pesquisa biológica constitui um recurso revolucionário. O DNA foi considerado pela revista "Time" como a Molécula do Ano. O Prêmio Nobel foi oferecido a um cientista pela invenção da técnica da reação em cadeia da polimerase (PCR), que amplifica o número de moléculas de DNA de modo a produzir uma quantidade que seja fácil de ser analisada, Os telespectadores tomaram conhecimento sobre o fingerprinting do DNA. A clonagem de um novo gene é, hoje, assunto de jornais.
O DNA (ácido desoxirribonucléico) está localizado no núcleo da célula e é a unidade básica da hereditariedade, tanto no homem quanto no cavalo. O DNA é composto de quatro moléculas básicas que aparecem em seqüências variáveis; estas moléculas são identificadas com as letras A, C, G, T. A seqüência na qual estas moléculas se situam em certos fragmentos do DNA é a chave para a verificação de paternidade e para a identificação genética de um indivíduo.
Para isto, utilizamos os chamados marcadores de DNA, regiões do DNA que podem ser comparadas entre indivíduos da mesma espécie e/ou entre diferentes espécies. Os microssatélites ou STRs (short tandem repeats, ou pequenas repetições ao acaso) possuem estas características e foram escolhidos como marcadores preferenciais tanto no projeto genoma humano quanto no animal (cavalo, boi, cachorro, dentre outros). Estes marcadores são utilizados em vários laboratórios de pesquisa nos Estados Unidos, Suécia, Inglaterra, França, Holanda e Austrália, e agora, em relação aos cavalos, no Brasil, de modo pioneiro, pela LinkGen.
Os Laboratórios LinkGen possuem duas divisões: a LinkGen Diagnóstico Molecular (que se dedica aos estudos em seres humanos, inclusive em questões forenses e paternidade) e a LinkGen Biotecnologia Veterinária e Agropecuária.

UTILIZAÇÃO DE MARCADORES
A LinkGen Biotecnologia Veterinária e Agropecuária, juntamente com o Departamento de Reprodução Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, desenvolveu um projeto na área de identificação de vínculo genético em animais, incluindo cavalos, utilizando-se de marcadores moleculares.
Como estes marcadores podem auxiliar na determinação da identificação genética e da paternidade? Cada indivíduo tem seu próprio genótipo (conteúdo genético). Do mesmo modo que as impressões digitais, este genótipo é único para este indivíduo, a não ser que tenha um irmão gêmeo univitelino. Estabelecer o genótipo (genotipagem) envolve a identificação de seqüências específicas em um fragmento de DNA. O fragmento não é necessariamente um gene inteiro ou mesmo parte deste gene; é somente uma determinada parte do DNA que foi cortada em pedaços no laboratório. Em um indivíduo, metade do conteúdo genético foi herdado do pai e outra metade da mãe. Assim, em cada região do DNA, chamada locus, o indivíduo possui dois dos chamados alelos. um proveniente do pai e outro da mãe. Suponha que, no locus n° 1, o garanhão tenha os alelos A e B (portanto, genótipo A/B) e a égua os alelos C e D (genótipo C/D). Os produtos deste casal terão, então, o alelo A ou B (vindo do pai, com uma probabilidade igual) e o alelo C ou D (vindo da mãe). Então, os produtos terão, obrigatoriamente, genótipos A/C ou A/D ou B/C ou B/D.
Nos testes realizados pela LinkGen são examinados, pelo menos, de 11 a 15 diferentes regiões do DNA, em fragmentos específicos. O que estas regiões têm em comum são seqüências repetidas, sendo que o número de repetições é variável. Nós simplesmente verificamos quantas vezes as seqüências se repetem num locus em particular (lembramos que em cada locus há dois alelos). Como exemplo, veja a Figura 1.

Figura 1

Se num locus específico do produto avaliado encontramos G-T repetido 19 vezes em um alelo (variante 19, chamemos de alelo A) e também 12 vezes em outro alelo (variante 12, alelo B), sabemos que este animal (genótipo A/B) recebeu o alelo A de um dos pais e o alelo B de outro. Checamos em seguida o DNA da mãe e observamos, por exemplo, que ela tem a variante 15 (alelo C) e a variante 19 (alelo A). Portanto, ela passou o alelo A ao filho. Isto significa que o alelo B forçosamente é proveniente do pai.
Checamos o garanhão 1 e observamos que ele tem a variante 12 (alelo B) e a variante 14 (alelo D); portanto, realmente, ele passou a variante 12 ao filho, que revela que ele pode ser o pai; se o garanhão tiver, por exemplo, as variantes 10 e 14 (garanhão 2), a análise revela que este animal não pode ser o pai, pois o indivíduo só pode transmitir à prole as seqüências que ocorrem no seu próprio DNA. A chance de 2 irmãos terem o mesmo genótipo, neste locus examinado, é de 1/4 ou 25%. Esta é uma porcentagem muito alta para os processos de identificação; por isto, outras regiões do DNA também são analisadas para se estabelecer a identidade do indivíduo. À medida que examinamos um número maior de regiões e as analisamos em conjunto, esta porcentagem vai diminuindo até se tornar muito pequena. Deste modo, a possibilidade de o resultado do teste ser proveniente de erro acidental ou derivado de ação intencional é quase totalmente abolida.

ANÁLISE DA EXCLUSÃO
Após a análise dos fragmentos de DNA, examina-se a eficácia do teste (probabilidade de exclusão). A probabilidade de exclusão é a demonstração de que um indivíduo específico não pode ter contribuído com o material genético encontrado em outro indivíduo. Assim, quando um determinado cavalo ou égua não for o genitor (garanhão 2 da figura), diz-se que houve uma exclusão (o indivíduo não qualifica como genitor). É importante salientar que tanto a genotipagem quanto qualquer outro teste de verificação de paternidade não vão, de maneira alguma, provar a paternidade; eles vão verificar se é ou não possível que um acasalamento específico tenha produzido um produto específico. Quanto mais poderoso for o teste para excluir uma identidade (incorreta), maior a probabilidade de exclusão. Em outras palavras, a probabilidade de exclusão pode ser tão alta que torna praticamente impossível que um outro animal, que não o pai real, possa ser apontado como genitor.
A tipagem sangüínea foi tremendamente efetiva na verificação da paternidade. O teste de DNA atualmente utilizado tem uma eficácia ainda maior, pois seu poder de resolução é superior; é como se fosse usado um microscópio mais poderoso. Como resultado, a genotipagem pode produzir uma exclusão que a tipagem sangüínea não pode detectar. Por outro lado, se o parentesco de um animal for excluído pela tipagem sangüínea bem realizada, não há chance de a genotipagem produzir um resultado diferente.
É possível verificar o parentesco, através da genotipagem de cavalos, com exclusão de pelo menos 99,99%. Isto significa que o teste de DNA em cavalos exclui um parentesco incorreto em pelo menos 99,99% das vezes, já em relação à tipagem sangüínea, a exclusão é muito menor. Portanto, o teste de DNA é muitas vezes mais efetivo do que o teste sangüíneo convencional.

EFICÁCIA DA TECNOLOGIA
Para o criador de cavalos, a diferença acima citada pode parecer insignificante. Mas não é. Considere um exemplo já utilizado por outros. Imagine que, na Força Aérea, há treinamento de pára-quedistas. Por dia, são dados 2.000 saltos com um determinado tipo de pára-quedas. Imagine que em 99,9999% dos saltos todos os pára-quedas se abrem sem problemas. Isto significa que uma vez em 1 milhão de saltos o pára-quedas não se abrirá, ou seja, uma vez em cada 500 dias. Mas, e se o pára-quedas se abrir em 99,9% dos saltos? Há diferença? São 99,9999% e 99,9% valores muito diferentes? Aparentemente não, mas isto significará que o pára-quedas não se abrirá uma vez a cada 1.000 saltos, ou seja, duas vezes por dia.
Outros exemplos? Calcula-se que se, nos Estados Unidos, o Correio enviar adequadamente somente 99,9% das correspondências, isto significaria que 16.000 cartas deixariam de ser entregues a cada hora. Também nos Estados Unidos, 99,9% de eficiência na compensação de cheques corresponde a 20.000 cheques sendo debitados na conta errada, por hora.
Deste modo, observa-se o porquê da genotipagem ter uma eficácia (99,99%) muito maior que os da tipagem sangüínea. Se analisarmos estas porcentagens em relação ao exemplo dos pára-quedas, considerando uma média de tipagem de 96,5% significará que o pára-quedas "DNA" não se abriria quase uma vez a cada cinco dias, enquanto o pára-quedas "tipagem" não se abriria 70 vezes por dia. É uma grande diferença, pelo menos para quem salta.

AMOSTRAS PARA ANÁLISE
O DNA pode ser extraído, para análise, de qualquer tecido: sangue, pele ou osso constituem excelentes materiais. Mesmo amostras de autópsia preservadas em formaldeído ou armazenadas no freezer de um veterinário, que são inadequadas para tipagem sangüínea, podem ser adequadas para a genotipagem. Obviamente, existem situações que dificultam a extração do DNA e, conseqüentemente, sua análise. Por exemplo, ossos que tenham estado enterrados por longo tempo apresentam fungos e bactérias que atrapalham a obtenção de DNA, o que não acontece em ossos que se encontram em ambientes secos.
A retirada da amostra para análise do DNA, no cavalo, é simples. Não há necessidade de se retirar sangue, evitando, portanto, problemas ocasionais com determinados animais; não é necessário refrigerar a amostra, nem enviá-la rapidamente ao laboratório de modo que a amostra chegue em tempo hábil para que hajam células suficientes para o teste de tipagem ser realizado em boas condições.
O exame é feito em pêlos. Deve-se puxar o pêlo da crina acima da cernelha (o pêlo da cernelha tende a ser muito fino para ser facilmente testado), e tomar cuidado para que saiam também os bulbos (raízes). Se o pêlo é puxado igualmente e diretamente para longe do pescoço, ele tenderá a sair com as raízes, ao invés de quebrar. Quando se olha atentamente para a terminação do pêlo que estava no interior da pele, as raízes serão vistas, especialmente se uma lente de aumento for utilizada. Devem ser retirados cerca de 50 pêlos com o máximo de bulbos possível. Os bulbos são necessários, pois aí o DNA se encontra em perfeito estado.
Os pêlos da cauda podem também ser uma segunda opção. Os pêlos são colocados num revestimento adesivo, deixando as raízes soltas. Preenchidas as informações referentes ao animal a ser genotipado, coloca-se num envelope apropriado (que é fornecido pelo laboratório, através da Associação), leva-se ao correio e envia-se à Associação que, após registrar a solicitação do exame, envia as amostras ao laboratório.
No laboratório, parte da amostra é processada e o animal, portanto, é genotipado. Outra parte dos pêlos é arquivada para repetição posterior, se requerido. As condições apropriadas de armazenamento fazem com que as amostras permaneçam íntegras e viáveis por pelo menos dois anos. Porém, uma vez que o animal tenha sido genotipado, a não ser que seja necessário, não se repete o exame. Futuros produtos deste animal serão genotipados e os resultados comparados com o seu, para o estabelecimento da paternidade.
Evidentemente, a utilização de uma tecnologia moderna e de ponta tem reflexo no seu custo. Porém, o maior gasto é compensado pelo tipo de resultado que se obtém. Os resultados são liberados em 30 dias, em média, período necessário para possibilitar a realização de contraprovas e rechecagem do exame. À medida que mais animais forem sendo genotipados, como, por exemplo, através de um programa similar ao descrito adiante, métodos automatizados serão introduzidos na rotina, o que diminuirá tanto o custo do exame quanto o tempo para o fornecimento de resultados.

OUTRAS APLICAÇÕES
Além da análise de paternidade/maternidade e do controle genealógico através da genotipagem, os marcadores genéticos utilizados também são úteis em situações como: controle de técnicas de reprodução assistida, seguimento de protocolos de seleção, identificação e autenticação de sêmen e embriões, casos forenses, estudos de variabilidade genética de raças.

UTILIDADE DO MÉTODO
Obviamente, a genotipagem de um animal serve para se verificar sua origem. Confirmar esta origem garante o valor genético do animal e, portanto, seu valor econômico. Esta garantia é útil em vários casos: em transações comerciais, quando o comprador poderá comprovar a ascendência do animal que adquire e, portanto, seu valor real; ao vendedor de animais de qualidade interessa poder estabelecer claramente a autenticidade de origem de seus animais, para diferenciá-los de outros de qualidade inferior; no uso de técnicas modernas de reprodução, como inseminação artificial e transferência de embriões, como controle do processo; em programas de melhoria genética, para garantir a linhagem.
A inseminação artificial e a transferência de embriões são técnicas que melhoram muito o rendimento de procriação, mas também requerem um maior controle da paternidade, para garantir os resultados. A genotipagem, nestes casos, permite evitar problemas como erros no processo de inseminação, tanto humanos quanto naturais (por exemplo, uma égua receptora do sêmen ou embrião tendo sido, na realidade, fecundada no campo por outro macho), ou fraude na origem do material. As técnicas de reprodução artificial, devido ao custo dos processos envolvidos, devem ter a genotipagem como método perfeito de controle de qualidade, ainda mais considerando que o custo adicional é muito pequeno.
Em relação à garantia da linhagem, se o criador não buscar nenhum tipo de melhoria genética, obviamente a genotipagem não será muito útil. Mas, no momento em que começa a selecionar algum animal que, por suas características, se destaque do resto, e a estabelecer cruzamentos com os melhores animais, é interessante introduzir a genotipagem como técnica de controle da seleção. Sem um controle adequado da ascendência do animal, erros são introduzidos na linhagem genética, desvirtuando os resultados e fazendo com que os programas de melhoria genética falhem.

EXPANSÃO NOS EUA
As associações americanas estão ativas no sentido de genotipar todos os animais o mais rápido possível. Em várias, todos os animais estão genotipados, enquanto que outras estão adotando a genotipagem de forma gradual. Um dos modos mais comuns adotados, em relação à forma gradual, é a seguinte:

  • Garanhões que cobrem cinco ou mais éguas são genotipados, sendo que o número de éguas é reduzido anualmente, até que após cinco anos o número é de um garanhão por égua. Assim, ao final de cinco anos, todos os garanhões expostos estão genotipados. Uma vez que o garanhão esteja genotipado, não terá que ser resubmetido ao exame, a não ser que necessário.
  • Todas as éguas que dão cria a partir de determinada data estabelecida pela Associação são obrigatoriamente genotipadas antes do registro de qualquer produto por elas produzido. Isto não significa que devem ser genotipadas no momento de seu próprio registro, mas sim antes que seu produto possa ser registrado.
  • No caso de cavalos de corrida, a genotipagem e verificação de paternidade são requeridas para todos os produtos nascidos após data estabelecida pela Associação.

    GENOTIPAGEM NO BRASIL
    A genotipagem no Brasil está sendo feita somente de modo esporádico, na resolução de casos complicados para a identificação de genitores de um produto. A Associação Brasileira dos Criadores de Cavalo Mangalarga Marchador (ABCCMM) também já está começando a usar as mesmas técnicas sofisticadas acima descritas. A ABCCMM está demonstrando liderança ao utilizar este método de teste genético, que terá como resultado a maior integridade da linhagem, tornando mais confiantes todos os criadores brasileiros.

    © Mangalarga Marchador - Revista Oficial da ABCCMM


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